terça-feira, maio 5

[ÁLBUM NOVO] Os Painéis de São Vicente


Que uma coisa fique bem clara: O Senhor Acorde ia sempre admirar, independentemente de tudo o resto, qualquer artista ou banda que regularmente tocasse ao vivo uma versão de "I Dig a Pony", dos Beatles. Felizmente, porém, há mais razões para admirar St. Vincent. Elas confirmam-se com a edição de Actor, segundo álbum de originais de Annie Clark, nome de baptismo do santo em questão.

Depois de ter convivido com nomes como The Polyphonic Spree (banda da qual foi guitarrista) e ter andado na estrada com Sufjan Stevens, esta senhorita de aspecto frágil deslizou para debaixo das luzes da música independente em 2007 com Marry Me (título inspirado numa fala da genial série de comédia Arrested Development). Apesar da sua ligeira inconsistência e dispersão, o disco tinha pérolas suficientes para virar muitos pescoços e colocar as hostes em alerta, particularmente em temas como "Paris is Burning" e o deliciosamente intitulado "Jesus Saves, i Spend".

Mas desta vez é que é: com Actor, St. Vincent encena uma peça de 11 actos e ganha a aposta. Teatralidade, de resto, é um elemento que não falta ao álbum, sublinhada por introduções belíssimas como o toque medieval de "Black Rainbows" e o início (Tim) Burtoniano de "The Strangers". No entanto, e para júbilo do nosso genoma pop, St. Vincent não sobre-dramatiza e ata os versos aos refrões em canções de costuras bem apertadas, com o virtuosismo da sua guitarra refreado mas bem patente. Bem no centro do cenário, uma voz límpida, vibrante e acolhedora.

A mistura esquizofrénica da graciosidade das linhas melódicas e da subtileza dos arranjos orquestrais com os rompantes rasgados de distorção, como em "Actor Out of Work" e a magnífica "The Neighbours", faz por evitar o enjoo - apesar de ser uma fórmula às vezes demasiado utilizada, e, em alguns momentos, mesmo escusada - e é sem dúvida a pedra de toque do álbum, o chamado "truque".

O mais curioso, no entanto, é a maneira insidiosa e quase maldosa como a persona musical (?) de St. Vincent se vai transfigurando aos nossos ouvidos. O embrulho em papel bonito e laço que nos é entregue em mãos rapidamente se transforma num presente envenenado, pelo cinismo e amargura das palavras ("you're a bandage/pull it off"), pelos riffs e trechos que roçam o bizarro e dissonante. É quase como se estivessemos a ver o meio sorriso diabólico de St. Vincent quando muda as coordenadas das suas canções. Se nos dissessem que se tratava da irmã degenerada de Feist, acreditávamos piamente.

Tudo serve no entanto para sublinhar a versatilidade e complexidade da cantora, numa mistura de doçura e rebeldia bem doseada, sem que nada no entanto soe a falso. A cada faceta que lhe vamos descobrindo (ou a cada painel, para rematar a fraca chalaça do título), vamos querendo desdobrar mais e mais o folheto. E é essa reacção que um ouvinte quer ter, e que um actor quer que o público tenha. Assim como um músico.

Actor tem edição oficial hoje e é um grande álbum. Surpresa, só para quem andava distraído.

Silêncio e que suba o pano.

8/10

Do alforge tiramos "The Strangers", desde já universalmente declarada como uma das melhores canções do ano,

St. Vincent - The Strangers

o videoclip do primeiro single do álbum, o cáustico "Actor Out of Work",



e para ajudar ao contexto, o vídeo com que descobrimos St. Vincent, e que nos virou o pescoço na sua direcção: "Paris is Burning" numa excelente interpretação só com a guitarra em punho.


1 comentário:

  1. Não sei porquê mas parece que ouço música de igreja em quase todos os arranjos da menina. O que mais me impressiona é que nunca pensei que alguém conseguisse que realmente ficasse bem numa música, e ela consegue...

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